sábado, 25 de abril de 2015

Gênero Memórias Literárias - 8º ano 2014

A SOGRA, O SONHO E ETERNO AMOR
Autora: Mikaely Dias Ferreira - Aluna do 8º Ano - 2014

            Ah, Minha terra! Vi muita gente nascer e também morrer. Foram passagens alegres e tristes e rostinhos que nunca sairão de meu coração. Muitos nasceram no coração da mata; outros morreram em seus braços. Era época de dias sofridos! O trabalho era árduo e os mosquitos nos picavam dia e noite! O município de Jaru era apenas uma criança que engatinhava para dar os seus primeiros passos rumo à independência.
            Não quero esquecer o meu cantinho no pequeno sítio onde morávamos. Levávamos uma vida dura, difícil e de muita luta, mas possuíamos uma riqueza que hoje muitos desejam: éramos rodeados de uma natureza que encantava a alma. A densa floresta que nos cercava era coberta de árvores enfeitadas com belas flores coloridas, onde o vento cantava e as árvores, ao som desta melodia, faziam uma única coreografia.
            Naquela época, todos tinham as suas obrigações.  Na parte da manhã,  eu ajudava mamãe com a casa e a levar o almoço para papai e os trabalhadores na roça. Eram muitas marmitas com feijão, arroz,  carne ou com outro tipo de mistura. Esperávamos o pessoal almoçar e trazíamos de volta as vasilhas para serem lavadas. À tarde, retornávamos para a roça novamente, levando garrafas com café. Era uma rotina de segunda a sábado. Eu adorava andar pelos trilhos da mata sentindo um leve perfume das flores de ipê tomar conta de mim.
            Quando completei dezessete anos de idade, fui morar na casa do meu marido Gésio e com toda sua família. Por eu ser uma garota de pele clara e pobre, a minha sogra nunca escondeu que sempre me odiou e nunca aceitou o meu casamento com seu filho.  Sujeitei-me a muitas humilhações, até que resolvi voltar para a casa dos meus pais. Eu só retornaria quando conseguíssemos construir a nossa casinha. Já tínhamos um filho e eu esperava uma garotinha com oito meses de gestação.
            Se não me escapada da mente, na manhã de 17 de agosto do ano de 1982, o meu marido chegou onde eu estava e disse-me que ia derrubar uma castanheira para construir a nossa casinha. Hoje é proibido derrubar castanheira, mas naquela época era uma atividade muito comum. Lembro-me que ele deu um beijo nas crianças e, já na porteira, me olhou, deu aquele sorriso cativante e me mandou um beijo à distância. Confesso que meu coração deu pulos de alegria! Mas muito mais intenso que a alegria foi a sensação horrível de mau pressentimento, como se aquele beijo fosse um adeus.
            Ao cair da tarde, avistei o meu sogro, com três rapazes e minha sogra, cabisbaixo e triste, apontando para seu velho e enferrujado carro cor de vinho. Tive medo do que estava por vir... O medo intensificou a minha dor... Como tentativa desesperada de ter certeza de que estava tudo bem, corri em sua direção, quando vi o meu marido sujo. Sujo de terra vermelha... Sujo de sangue que insistia em fazer turismo para fora do seu corpo. Ficamos em silêncio. E o silêncio naquele momento me dizia tudo. Sem acreditar... Sem ação... Sem voz... O sonho e o futuro tão planejado, destruído rapidamente.
            Em meio ao silêncio, eu ouvi uma voz de injustiça que nunca se apagará da minha memória. A minha sogra me dizia que eu não era digna de ver o seu filho, pois eu era a grande culpada. Mas eu não era culpada... O meu marido tirou a castanheira da natureza... E a natureza tirou o meu marido de mim.
            Quebrando aquela atmosfera densa que nos rodeou, o meu sogro disse: “Não faça isso mulher! Pois presenciei o último suspiro do nosso filho. E enquanto eu tirava os galhos de cima dele, senti uma mão me apertando fortemente e um sussurro que dizia: - Pai cuida dos meus filhos e da minha mulher. Fala para ela que eu sempre a amarei, mesmo não estando por perto...”
            Aquelas palavras soaram como um infinito eco em minha cabeça. Aquele eco persistia nas palavras do nosso filho, que chamava pelo pai dia e noite e quando a minha sogra tentou tirá-lo de mim... O tempo passou. Mas aquele eco ainda insiste martelar em minha cabeça, ao assistir ao verdor das florestas rondonienses sendo engolido pelo faminto motosserra em nome do progresso. Aquele eco persistirá sempre que olhar para uma árvore em flor que permanece majestosa sob o vento, que traz à minha mente o cheiro do passado, despertando em mim lembranças tão profundas, e enterrando em meu peito toda a dor e a saudade do meu amado e eterno amor. 


(Texto baseado na entrevista feita com o Sra. Geuza Dias Ferreira)

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